Independentemente da qualidade dos dois filmes, tática da Marvel Studios mostra um descompromisso com sua própria arte

O painel da Marvel Studios no Hall H da San Diego Comic-Con começou com o já aguardado anúncio de Kevin Feige que Vingadores: Ultimato, o último capítulo da Fase 3 do MCU, se tornou a maior bilheteria de todos os tempos. Atualmente com uma arrecadação de US$ 2,790 bilhões, o longa da Marvel finalmente tomou a liderança de Avatar (em valores não ajustados com a inflação), que permaneceu no topo por quase 10 anos. Mas isto não aconteceu de modo natural. Para atingir a quantia, o estúdio precisou relançar Ultimato nos cinemas com alguns minutos extras, incluindo uma cena não-finalizada. A tática da Marvel se provou efetiva, mas para que a proeza fosse atingida, o estúdio abriu mão da sua arte.

A liderança de Vingadores: Ultimato na bilheteria mundial não é inválido e muito menos surpreendente. Há tempos o estúdio domina as arrecadações semanais e cada lançamento do MCU nos cinemas já é um sucesso garantido. Era até esperado que o capítulo final da Saga do Infinito batesse a bilheteria de Avatar, o que torna compreensível a vontade inconsequente do estúdio de conquistar o topo uma vez que isto não aconteceu naturalmente. O problema é um estúdio que sempre teve tanto cuidado em oferecer uma experiência completa aos fãs ter aberto mão até de seu principal suposto objetivo para colocar o nº 1 no currículo.

A nova versão de Vingadores: Ultimato traz um tributo a Stan Lee, a primeira cena de Homem-Aranha: Longe de Casa e, o mais chamativo de tudo, uma cena não-finalizada do Hulk. Com efeitos visuais incompletos, a cena é claramente um extra de DVD, que faria fãs vibrarem com o produto, mas definitivamente não justifica um relançamento nos cinemas. A versão cai como um golpe baixo do estúdio, que precisava de um último impulso para superar o longa de James Cameron. 

Seria ingênuo realmente imaginar um mundo em que o objetivo de cada estúdio não seja lucro. Mas não é a vontade de arrecadar dinheiro que torna a tática da Marvel desleal. É uma priorização do marco acima da experiência do fã. Um dos elementos que faz do estúdio o que ele é hoje é seu proclamado compromisso com seus seguidores. Cada passo na jornada dos heróis que levou até Ultimato, cada cena recheada de fan service, momentos que fizeram os fãs gritarem com a tela e, inclusive, o espetáculo que Kevin Feige faz em cada aparição na Comic-Con, soa como um “estamos aqui por vocês”. Relançar um produto não-finalizado para que fãs gastem um pouco mais é o oposto disso. Mais do que isso, o lançamento de uma cena como essa em um filme que culmina uma jornada de dez anos, tão bem calculada e realizada, mostra um descompromisso com a sua própria arte. Pode ser surreal imaginar um mundo em que estúdios não priorizem lucro. Mas não é surreal também viver em um mundo em que estúdios lançam rascunhos de seus filmes no cinema?

Em sua época, Avatar também foi relançado nos cinemas, mas o caso foi muito diferente. Quando retornou às salas, oito meses depois de sua estreia, o longa já tinha o primeiro lugar mundial. Ele foi relançado pela própria experiência cinematográfica, com nove minutos adicionais totalmente finalizados. Como a superprodução de Cameron prezou o visual acima de muita coisa, o movimento fez sentido com a sua proposta. A nova versão, inclusive, não foi fácil; cada minuto adicional custou US$ 1 milhão à produção. 

Deve-se enfatizar, claro, que nada disso diz respeito à qualidade dos dois filmes. Inclusive, estar no topo da bilheteria nada diz respeito à qualidade crítica de uma produção. Mas James Cameron, o diretor que preza tanto pela estética e tecnologia, nunca consideraria um truque como o que a Marvel fez. Na realidade, a liderança da Marvel Studios, principalmente do modo que se deu, é apenas mais um sintoma do caminho do cinema atual, de remakes, reboots e sequências. É a liderança na bilheteria acima de qualquer experiência ou arte.

Via: Omelete

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